O documentário
Desde que Júnior me procurou na
intenção desse filme, muita água passou debaixo da ponte. A viagem das cenas
foi uma entre outras, durante o trabalho. Aliás, um trabalho muito mais do
Júnior mesmo, que ficou picotando cenas e sons pelas madrugadas, fora dos seus
expedientes de serviços. O trabalho externo, de captação das cenas, foi a parte
fácil do trampo. As internas, o bordado, os cortes, as emendas, as combinações
de som e imagem, imagino que devem ser muito mais cansativas, mentalmente.
Numa outra viagem de Kombi, neste
período, estive em Santos, conversando no Monte Serrat, favela bela, organizada
e solidária. Daí fui a Curitiba, três palestras em três dias, a primeira entre
evangélicos diferentes, sem problemas em beber e fumar e viverem sem julgar ou
discriminar, a segunda na casa Ocitocina, depois no OcupaMinc. Então fui a
Floripa, uma palestra num evento vegano. A volta foi com problemas no motor, à
noite, subindo serras, o que levou a vários contatos nos postos, com mecânicos,
frentistas, muita conversa, cheguei a ler textos pra grupos interessados, cenas
ótimas. Gostaria muito e insisti pra eles irem, mas não deu. A falta do tal
financiamento pesou e tanto Júnior quanto Igor não puderam ir, tinham
atividades programadas na manutenção da vida.
As possibilidades são precárias
quando se está por conta própria. O que não impediu fazer o que está aí. O
serviço de preparação das imagens e dos sons, incompreensível pra mim, tomou
noites de Júnior. Ele até recebeu ofertas de participação, mas nada levado à
prática, como é comum. Querer é mole, fazer já é bem mais raro.
Haveria mais viagens na fita,
mais sotaques, mais interpelações e assuntos, mais conversas, mais
oportunidades de coletar cenas que acontecem nessas movimentações, se houvesse
grana aplicada no trampo. Mas sempre gostei mesmo é da capacidade de realizar
assim mesmo, sem as condições ideais, com mais foco no conteúdo que na forma –
que afinal, na minha opinião, é a parte mais importante. A peça está pronta e
foi feita com o que tínhamos, com o que foi possível.
Acho que tem um ótimo meiquinhofe
estocado com os caras (), cabe cobrar deles colocar isso aí no ar, tem muita
coisa. Foram muitas as cenas gravadas e fotografadas durante as movimentações.
O que foi publicado é pouco perto do que tem. Sei que esquentei a batata e
agora jogo no colo do Júnior SQL. Mas é o trampo dele, vale pra ele
principalmente. O Igor vai no reboque, mas na responsa.
Todo proveito merece a nossa
gratidão, é o reconhecimento de que a gente precisa. O proveito levado à
prática é direito e responsabilidade de cada um, na permanente mutação de que
todos participamos, reconhecendo ou não, sabendo ou não, atentos ou distraídos.
Escolhendo como fomos programados, em geral, raramente por conta própria,
raramente vendo o mundo com os próprios olhos. Houve sempre quem retirasse as
lentes impostas e visse com os próprios olhos, raríssimos. Creio que na
atualidade há um processo crescente de retirada dessas lentes, de
questionamento dos valores e comportamentos, dos poderes sociais, no modelo de
vida que vivemos. Em forma embrionária, formam-se núcleos e coletivos em todas
as partes, pouco a pouco, um processo permanente de mutação, tempo de gerações
muitas. Não se pode esperar viver num mundo justo e solidário, seria ingênuo e
perigoso, muitas “desistências” se dão a partir daí. Mas (e aí só posso falar
por mim) se eu não viver no sentido de um mundo como o que desejo, não aplicar
minhas energias nessa direção, não vejo muito sentido na minha vida. E a
maneira que encontrei, ou escolhi, é refletindo e causando reflexão, sentindo e
provocando sentimentos, questionando valores e padrões, relações e
comportamentos, como parte de um processo estendido a todas as áreas das
sociedades, a todo o planeta, ao universo. Mas aqui, de forma humilde, à minha
volta, onde posso tocar e conviver, o primeiro plano em primeiro em lugar,
ainda que não se esqueça os planos ao infinito, levados em conta como objetivos
finais em todas as relações em torno, as que nos tocam.