segunda-feira, 25 de julho de 2016

O documentário

O documentário
Desde que Júnior me procurou na intenção desse filme, muita água passou debaixo da ponte. A viagem das cenas foi uma entre outras, durante o trabalho. Aliás, um trabalho muito mais do Júnior mesmo, que ficou picotando cenas e sons pelas madrugadas, fora dos seus expedientes de serviços. O trabalho externo, de captação das cenas, foi a parte fácil do trampo. As internas, o bordado, os cortes, as emendas, as combinações de som e imagem, imagino que devem ser muito mais cansativas, mentalmente.
Numa outra viagem de Kombi, neste período, estive em Santos, conversando no Monte Serrat, favela bela, organizada e solidária. Daí fui a Curitiba, três palestras em três dias, a primeira entre evangélicos diferentes, sem problemas em beber e fumar e viverem sem julgar ou discriminar, a segunda na casa Ocitocina, depois no OcupaMinc. Então fui a Floripa, uma palestra num evento vegano. A volta foi com problemas no motor, à noite, subindo serras, o que levou a vários contatos nos postos, com mecânicos, frentistas, muita conversa, cheguei a ler textos pra grupos interessados, cenas ótimas. Gostaria muito e insisti pra eles irem, mas não deu. A falta do tal financiamento pesou e tanto Júnior quanto Igor não puderam ir, tinham atividades programadas na manutenção da vida.
As possibilidades são precárias quando se está por conta própria. O que não impediu fazer o que está aí. O serviço de preparação das imagens e dos sons, incompreensível pra mim, tomou noites de Júnior. Ele até recebeu ofertas de participação, mas nada levado à prática, como é comum. Querer é mole, fazer já é bem mais raro.
Haveria mais viagens na fita, mais sotaques, mais interpelações e assuntos, mais conversas, mais oportunidades de coletar cenas que acontecem nessas movimentações, se houvesse grana aplicada no trampo. Mas sempre gostei mesmo é da capacidade de realizar assim mesmo, sem as condições ideais, com mais foco no conteúdo que na forma – que afinal, na minha opinião, é a parte mais importante. A peça está pronta e foi feita com o que tínhamos, com o que foi possível.
Acho que tem um ótimo meiquinhofe estocado com os caras (), cabe cobrar deles colocar isso aí no ar, tem muita coisa. Foram muitas as cenas gravadas e fotografadas durante as movimentações. O que foi publicado é pouco perto do que tem. Sei que esquentei a batata e agora jogo no colo do Júnior SQL. Mas é o trampo dele, vale pra ele principalmente. O Igor vai no reboque, mas na responsa.

Todo proveito merece a nossa gratidão, é o reconhecimento de que a gente precisa. O proveito levado à prática é direito e responsabilidade de cada um, na permanente mutação de que todos participamos, reconhecendo ou não, sabendo ou não, atentos ou distraídos. Escolhendo como fomos programados, em geral, raramente por conta própria, raramente vendo o mundo com os próprios olhos. Houve sempre quem retirasse as lentes impostas e visse com os próprios olhos, raríssimos. Creio que na atualidade há um processo crescente de retirada dessas lentes, de questionamento dos valores e comportamentos, dos poderes sociais, no modelo de vida que vivemos. Em forma embrionária, formam-se núcleos e coletivos em todas as partes, pouco a pouco, um processo permanente de mutação, tempo de gerações muitas. Não se pode esperar viver num mundo justo e solidário, seria ingênuo e perigoso, muitas “desistências” se dão a partir daí. Mas (e aí só posso falar por mim) se eu não viver no sentido de um mundo como o que desejo, não aplicar minhas energias nessa direção, não vejo muito sentido na minha vida. E a maneira que encontrei, ou escolhi, é refletindo e causando reflexão, sentindo e provocando sentimentos, questionando valores e padrões, relações e comportamentos, como parte de um processo estendido a todas as áreas das sociedades, a todo o planeta, ao universo. Mas aqui, de forma humilde, à minha volta, onde posso tocar e conviver, o primeiro plano em primeiro em lugar, ainda que não se esqueça os planos ao infinito, levados em conta como objetivos finais em todas as relações em torno, as que nos tocam. 


sexta-feira, 15 de julho de 2016

Eduardo - 2014

Rafael Lage esteve em minha casa, dois anos atrás, enquanto fazia o filme Malucos de BR, levando em conta os muitos anos que andei pelas estradas, em quase todas as regiões do Brasil. Quando tive filhos, tive que intercalar moradias e deslocamentos. Sempre que deparava com a bifurcação pagar aluguel e contas ou manter a alimentação saudável, entregava a casa e saía pra estrada, às vezes pras ruas, onde, por não ter despesas de moradia, a grana era suficiente pra comer natural, saudável, e manter a saúde - o sistema público sempre foi apavorante, um sistema de doenças, precário, criminoso e desumano. A visão de mundo que se formou nessas vivências é clara e simples.



A segunda parte taí...


segunda-feira, 11 de julho de 2016

Arte e pensamento em movimento - ou "bora pra estrada"

Hora de dar um tempo. Exponho em Santa Teresa desde o século passado, morei um ano no bairro e pulei pra outra santa, em Niterói, Santa Rosa, pra morar. Mas continuei expondo no Largo do Guimarães, primeiro no armazém fechado, nas três portas frontais. Depois, quando ali abriu um bar, passei pra parede do cinema. Mas venho sentindo vontade de mudança, um clima foi se instalando aos poucos, derrubando a sintonia com o lugar. Depois do desastre do bonde, onde morreram sete pessoas e dezenas se feriram, o bairro pareceu entrar em dormência. As falcatruas por trás das ações do estado e de empresas interessadas podem ser sentidas no ar, nos procedimentos, uma sociedade cujos poderes públicos são na prática privatizados e a hipocrisia é o lugar comum no trato com a população. Alguns anos sem bonde, agora um bonde esquisito, modernoso, descaracterizado como o patrimônio histórico que era, circula em silêncio pelos trilhos, até o Guimarães. Antes era do bairro todo, agora é só pra turistas. Eram duas linhas, agora é meia.
Encaramos a quebradeira no bairro todo, pra instalação dos novos e falsos bondes.

Durante as obras, Santa Teresa sofria na alma, os interesses de poucos emanava no ar.
Depois da “restauração” que tornou possível a circulação das pessoas, não era mais a mesma coisa, a forma tinha suplantado o conteúdo e os acontecimentos sinalizavam essa queda no astral do lugar. Começaram a aparecer figuras de outras vibrações pra expor, fisionomias agressivas ou hipócritas, sorrisos falsos ou alusões ameaçadoras, o climinha convencional da cultura social vigente, de competição e confronto, de interesses materiais e hipocrisias. Tempo de trocar o lugar, sem mágoas nem rancores, apenas sinais. Não me arrogo a posição do julgamento, da condenação, cada um carrega seu clima e suas conseqüências. A mim cabe escolher minhas atitudes e a mudança é uma necessidade permanente. No caso, mudança de lugar. Nada definitivo, mas o impulso deve dar a direção a seguir, na seqüência.
Em Rio Casca, dormindo em posto de caminhoneiros.
Surge, então, a oportunidade de realizar a idéia que vem madurando com o tempo e com a entrada de Celestina, a Kombi, na história. Há um ano e meio, ela vem sendo preparada pra ser engolidora de estradas. Desde então, quarenta mil quilômetros foram rodados, em viagens longas ao sul e ao norte, percorrendo o vale do rio Doce pra recolher informações e histórias desta hecatombe planetária que, todo o tempo, foi minimizada pelas empresas, pelo poder “público” e pela mídia dominante.
Chegando em Regência, a ver a bagaceira mineradora que matou o rio Doce desembocando no mar.
No parque estadual do rio Doce, a morte passa lentamente.
Saindo de Ouro Preto.
Sarandi, em Porto Alegre.
Pelas montanhas de Minas, rumo à Liberdade.
Exposição em Vitória, na Gruta da Onça.
Exposição na avenida Paulista.
Em Ouro Preto.
Maringá Rio, em Visconde de Mauá.
Cachoeira de São Félix, na Bahia. Homocinética quebrada.
Expondo na Bahia.
De novo na Paulista, encontros.
Na praça Roosevelt, a convite do Slam Resistência.
Em Santiago, no oeste gaúcho.

A idéia agora é sair pra expor nas cidades próximas, num raio inicial de duzentos quilômetros. E, pelo jeito, vamos em comboio, várias pessoas expondo suas artes. Se for o caso, proseando em público – ou palestrando, como dizem –, aproveitando a exposição e se rolar receptividade pra isso. Em qualquer lugar nesse raio onde se manifestar interesse e houver possibilidade de vendas pra bancar as atividades, é possível se fazer. Esperamos convites, pra chegar bem chegado e não ter problemas com os poderes municipais – como todo poder dito “público”, ávidos por “autorizações” e taxas, no vício de arrancar dinheiro da gente, sem contrapartida com o cumprimento nem da própria constituição. Um poder público que não merece nem o próprio nome, sempre aplicado ao atendimento dos interesses de poucos, os financiadores de campanhas eleitorais, e em enganar a população. Não pagaremos pra expor, nem ganhamos o suficiente pra isso, pois nos aplicamos em pagar as próprias contas, com dificuldade mas com persistência pra não se render aos valores e comportamentos vigorantes nesta sociedade criminosa, que abandona e sabota grande parte das pessoas – a miséria, a exploração, a ignorância, a desinformação são crimes sociais tão cotidianos que estão absurdamente naturalizados, quando ninguém devia se conformar com isso. Assim como ninguém deveria se conformar com uma vida sem sentido que gira em torno do consumo e da posse material, valorizando o desenvolvimento tecnológico, mas não o desenvolvimento moral pra tratar com ele, o que dá origem à escandalosa concentração de renda e propriedade e à conseqüente carência, criminalidade e violência. A violência do Estado é a mãe de todas as violências. E a vida imposta é a origem maior das frustrações existenciais. Essa é a base do meu trabalho. Escrito, desenhado e falado.

Esperamos contatos pra nos apresentar, levando em conta a necessidade de vender nossas artes pra seguir adiante – entre nós, ninguém tem outra fonte de renda senão a rua com as exposições.

No próximo fim de semana estarei na Bahia, palestra em Feira de Santana. Na volta, devo escolher um lugar pra expor, por perto do Rio, em conjunto com os amigos que vão também. Se houver interesse em alguma cidade dentro desse raio, espero a manifestação pra trocar idéias a respeito e, se possível, comparecer. Além de idéias, temos artes.

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.